sexta-feira, 24 de abril de 2009

Sempre teremos Paris - Já reparou como sempre falta algo e a inquietação parece sem fim?

Quando estamos num lugar, queremos estar em outro. Já reparou como sempre falta algo e a inquietação parece sem fim?


April e Frank Wheeler consideravam-se espe­ciais, eram irreverentes, ele lutou no front da Se­gunda Guerra, ela queria ser atriz. A primeira pergunta que ela dirige a ele quando se conhecem: “O que você faz?”. Ele responde de forma literal, dizendo no que trabalha. Ela o corrige, não está interessada na realidade, mas no sonho: o que ele quer ser? Frank diz que está confuso, procurando se encontrar. Embora reclamando, ele acha algum sentido na vida suburbana que o casal monta sem pensar. Tra­balha numa firma onde pode crescer, pega o trem todo dia, reencontra a família e a casa arrumada ao voltar. April não sente o mesmo: sua carreira dramática não vinga e a rotina doméstica a enlouquece.

A história do casal Wheeler está num livro chamado Revolutionary Road (Richard Yates, 1961), que alude ao nome da rua em que eles moram. O endereço não podia ser mais paradoxal, pois é para acomodar-se e não para mudar o mundo que eles aderiram à típica ca­sinha branca de família americana. Mas dentro de April a revolução borbulha e é a isso que assistimos do co­me­ço ao fim do livro e do filme (Foi apenas um So­nho, de Sam Mendes). Seu amor por Frank só reacen­de quando eles voltam a partilhar um sonho: mudar-se para Paris. Ela planeja trabalhar e ele ficaria um tempo estudando e tentando ser outra coisa, talvez escritor. April não quer dele o que os homens estavam acostumados a dar às mulheres: casa, sustento, filhos.

Não conto mais para não estragar o prazer de ver esse filme, na magistral interpretação do casal de ato­res protagonistas de Titanic. Digamos que eles encenam o que poderia ter acontecido se a tra­­gédia não ti­ves­se transformado aquele amor em apenas um sonho.

Entramos num tema que já foi ma­­ra­vilhosamente tratado em As Horas, aquilo que Betty Friedan na década de 50 cha­mou de A Mística Feminina: a in­sa­tisfa­ção das mulheres com seu destino do­més­tico. Trata-se da onda de de­pressão que abateu as americanas do pós-guerra, que murchavam em plena época de pros­pe­ridade. Não estaria ve­lha essa ques­tão, co­mo idosas estão as que foram suas pro­tagonistas?

Eternamente inquietas
Provavelmente não, embora a vida das mulheres tenda a ficar cada dia mais pró­xi­ma dos anseios de April. Hoje po­de­mos viver destinos diversos, mas continuamos perdidas em deva­nei­os, usu­fruindo do legado de insa­tisfação que nos­sas ancestrais nos deixaram. Para as acompanhadas, fica a dúvida do que seriam se fossem livres, enquanto as soli­tá­rias sentem-se em dívida com o destino amoroso. Filhos estorvam quando existem e deixam um buraco quando fal­tam. Estamos sempre inquietas.

O filme nos lembra que os homens também estão mais interessados no que podem tornar-se do que no que são. Frank amava em April essa angústia, essa de­dicação ao sonho, April amava em Frank aquilo que ele não realizou. Como na his­tória de outro casal antológico do cinema, os apaixonados de Casablanca: no fim nós sem­pre teremos Paris.

Diana Corso, 48, é psicanalista. Vive em Por­to Alegre, tem duas filhas,­­­­­­ escreve quin­ze­nal­mente no jor­nal Zero Hora e é co-autora do livro Fadas no Divã. Seu e-mail: dia­namcorso@gmail.com

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